quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Pequena galeria de estereótipos - Arqueólogos

Muito bem... Uma nova seção para o blog. Pretendo discutir um pouco sobre alguns estereótipos que frequentam o nosso imaginário e, na medida do possível, refletir a respeito. Vamos ver no que vai dar. Pra começar, nada melhor que falar de arqueólogos, tendo em vista que já fui um deles...

Acho que Indiana Jones encarna o estereótipo do arqueólogo por excelência. Ao se falar em Arqueologia, a primeira coisa que a maioria das pessoas pensa é aventura. Viagens constantes a lugares exóticos, relíquias de valor inestimável, ruínas imponentes, perigos e mais perigos... No imaginário coletivo, o arqueólogo vive entre dois mundos: a refinada atmosfera do museu ou da universidade e o mundo agreste em que mergulha em busca de vestígios do passado. Além disso, é sempre detentor de vastíssima erudição, profundo conhecedor de inúmeras culturas, dominando inúmeras línguas antigas e modernas, além de hábil leitor de escritas arcaicas.

A persistência desse estereótipo pode ser percebida por suas inúmeras encarnações na cultura de massa, desde o dito Indiana Jones à Lara Croft do game Tomb Raider, passando por inúmeros personagens dos quadrinhos, como o Dr. Mortimer, ou o Tio Patinhas (indubitavelmente um arqueólogo amador), além de outros mais obscuros, como o personagem de Brendan Fraser em A múmia(chatíssimo, por sinal) ou ao Alan Quaterman dos filmes de Richard Chamberlain, curiosamente transformado em arqueólogo, diferentemente do romance de H. Rider Hagard, onde o personagem era um caçador (aliás, brilhantemente traduzido para o português por Eça de Queirós). Não faltam também os super-heróis que são arqueólogos em sua identidade secreta, como Gavião Negro ou Thor.

Um aspecto a se destacar diz respeito aos objetivos do arqueólogo. Popularmente, as pessoas costumam acreditar que ele busca apenas objetos de "alto valor histórico" ou então ruínas monumentais. Recordo-me que na época em que comecei a escavar as pessoas não conseguiam esconder sua decepção ao saber que lidávamos "apenas" com vestígios deixados por indígenas, "reles" artefatos em pedra ou osso. De fato, uma pergunta muito comum era se no Brasil havia algo a ser "achado" por um arqueólogo, já que não tivemos nenhuma "grande civilização". Muitas vezes me perguntavam também se já tínhamos encontrado algum "objeto importante", ou que tivesse pertencido a "alguém importante". Esses comentários geralmente partiam das pessoas melhor informadas; outras geralmente perguntavam se já tinha "encontrado" algum fóssil... de dinossauro!

Obviamente não culpo a ninguém por pensar dessa forma, afinal de contas as informações sobre o tema na mídia costumam ser escassas (e pobres), e os produtos da indústria cultural costumam apenas reforçar essa imagem.

Mas essa visão sobre a Arqueologia não me parece de modo algum gratuita. Pelo contrário, creio que tenha muito a ver com os primórdios desse nobre saber. Com efeito, os primeiros arqúeólogos, no fim do século XVIII e início do XIX, eram pouco mais que caçadores de tesouros em sua maioria, com algumas honrosas exceções. Geralmente partiam em expedições na Grécia, Itália ou Oriente Médio em busca de artefatos que vendiam por altas somas aos colecionadores europeus ou americanos (nosso querido imperador D. Pedro II foi um grande colecionador de antiguidades, por exemplo). Os principais critérios que definiam o valor desses objetos eram sua beleza, a qualidade dos materiais em que eram confeccionados (metais ou pedras preciosas) ou a sua raridade. Em boa parte das vezes esses arqueólogos não tinham qualquer interesse pelo conhecimento, nem muitos escrúpulos metodológicos, fazendo dessa atividade seu mero ganha pão.

Bom exemplo desse gênero de arqueólogo era o italiano Gianbattista Benzoni, que diversas vezes percorreu o Nilo de alto a baixo, abastecendo de antiguidades egípcias as coleções públicas e particulares da Europa. Seu interesse era puramente financeiro e Benzoni não hesitava em buscar seus preciosos artefatos de forma predatória, por exemplo, dinamitando ruínas milenares!

Em boa medida, esse estereótipo perdura no imaginário coletivo até hoje, enquanto a prática da Arqueologia se afastou substancialmente desses primórdios. Como se sabe, o arqueólogo escava meticulosamente, registrando a localização onde cada artefato, fóssil etc é encontrado, levando semanas para avançar um mísero metro de profundidade. Além disso, a maior parte do trabalho de investigação não ocorre em campo, mas sim em laboratório, onde são cuidadosamente analisados os objetos retirados da escavação. Deve se acrescentar que o ofício não é tão móvel quanto as pessoas costumam pensar. Um sítio arqueólogico de superfície relativamente pequena leva meses para ser escavado. Alguns podem levar anos ou até décadas, como ocorre em Pompéia. Também interessante observar que nem todo arqueólogo é um erudito poliglota multi-especialista; geralmente o arqueólogo é especializado em uma área determinada ou em algumas culturas específicas. Além disso, a pesquisa arqueológica é hoje tão complexa que faz-se necessário utilizar equipes multidisciplinares, compostas por historiadores, antropólogos, biólogos, geógrafos, geólogos etc. Um arqueólogo sozinho, qualquer que seja sua área de formação, não consegue nem começar, ao contrário de suas contrapartes ficcionais, que quase sempre atuam individualmente.

Por outro lado, a Arqueologia busca principalmente refletir sobre a vida da comunidade que produziu aqueles vestígios no passado, e não simplesmente obter artefatos "valiosos". Nesse sentido, qualquer vestígio é valioso, na medida em que ajuda a compreender aspectos da cultura estudada, como hábitos alimentares, atividades produtivas, ritos funerários, entre inúmeras outras coisas.

Além disso, é interessante observar que o trabalho do arqueólogo se afasta significativamente do glamour a que é comumente associado. Em muitos momentos devemos realizar atividades bastante prosaicas e pesadas, como carregar baldes e mais baldes de terra, ou às vezes cumprir tarefas bastante enfadonhas, como pesquisar documentos nada empolgantes em arquivos. Isso sem falar na sujeira, muita sujeira! Afinal, como a palavra escavação já sinaliza, terra (e às vezes lama) é o que não falta...

2 comentários:

Der Blaue Engel disse...

Como já havia dito à você, adorei este texto. Só faltou citar como elemento essencial à construção do estereótipo consolidado no imaginário coletivo a sempre indispensável companhia de exuberantes beldades. Verdadeiros monumentos de inestimável valor histórico...

Abração

Luiz Fabiano de Freitas Tavares disse...

Bem, a parte das "exuberantes beldades" parece ser bem próxima da realidade... Ao que tudo indica, meninas feias não se interessam muito pela Arqueologia. Pelo menos todas as arqueólogas que conheci eram muito bonitas! Abração!