terça-feira, 18 de novembro de 2014

Pescaria

O crente é pescador,
Aguardando paciente
Com esperançosa linha,
Fé tenta fisgar

Mas fé não seria
A própria pescaria?

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Capim bravo

Dança suave,
Capim ao vento

Pra cá, pra lá,
Vai, volta,
Balança, balança

Não luta,
Não cai,
Não desiste

Cede para resistir,
Resiste no ceder,
Calmo poder

Dança suave,
Capim ao vento

sexta-feira, 7 de novembro de 2014

O homem que soltava pássaros

Algumas pessoas diziam que ele era louco, mas era o homem mais são que já conheci. Ele criava lindos pássaros, de plumagem colorida e luminosa. Alimentava-os e treinava-os com muito carinho e trabalho, em grandes viveiros cheios de árvores, galhos e folhas. Depois, quando estavam fortes e robustos, os libertava no céu azul. Saíam voando por aí, como cartas de amor para todas as pessoas, encantando o mundo com vôo gracioso e belo canto.

Eu estava lá,
Quase talvez,
Mas Nunca,
Na verdade,
Estive em lugar Nenhum,
Pois não fui Ninguém

O oásis

O xeique Yuzif tinha um sonho, um grande sonho. Nesse mundo de tumultos, dores e maldades. Nesse mundo de barulho e inquietação, ele desejava construir um refúgio, um lugar onde todos os homens e mulheres de bem poderiam achar abrigo, repouso e alento. Onde os peregrinos encontrassem conforto e os que procuram sabedoria pudessem se reunir.

Yuzif tinha poucos recursos, não era um xeique muito rico. Mesmo assim, tinha fé em seus sonhos. Gastou cada moeda de seu tesouro, cada minuto de sua vida, mas com muito esforço conseguiu preparar seu oásis, um abrigo de paz, sabedoria e harmonia para todos os homens e mulheres justos que caminham pelos abrasadores desertos do mundo.

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Monstros

Dizem lendas
Que por aí andam
Pavorosos monstros,
Bestas terríveis:
Enchem ares de fumaça,
Águas de veneno,
Terras de fezes assustadoras;
Pelos céus voam,
Cuspindo bolas de fogo;
Pela terra rastejam,
Derrubando árvores,
Exterminando animais,
Devorando uns aos outros;
Multiplicam-se, multiplicam-se,
Como vermes em cemitério,
Em coitos satânicos

Dizem lendas
Que por aí andam
Pavorosos monstros,
Bestas terríveis,
Com cabeça humana
E humano corpo

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O Clube dos Barbudos

Pantótila era uma cidade pequena e pacata. Sua boa gente levava uma vida tranquila e sem sobressaltos.

Um dos cidadãos de Pantótila se chamava Beroaldo, homem pacífico e inofensivo como seus vizinhos. Talvez pela monotonia da cidade, talvez por esquisitice de sua personalidade, ele cultivava uma longa barba; gastava longos minutos por dia cuidando de sua pelagem facial. Certo dia, teve uma ideia: por que não fundar um "Clube dos Barbudos"? Comunicou a ideia aos outros onze barbudos de Pantótila, que gostaram da ideia e passaram a realizar encontros semanais na residência de Beroaldo. Nas reuniões, tomavam café, comiam biscoitos e discutiam teorias, métodos e dilemas pertinentes ao peculiar cultivo a que se consagravam.

No entanto, a novidade deixou alarmada a boa gente de Pantótila, desacostumada de qualquer acontecimento, significativo ou insignificante. Rumores e temores começaram a correr. Que coisa estranha era aquela? O que aqueles homens pretendiam? Aquilo não era normal, não podia ser. Havia algum segredo obscuro, uma ameaça que se preparava. O Clube dos Barbudos era simples fachada para propósitos sinistros. Aquelas barbas, curtas ou compridas, repartidas ou trançadas, aparadas ou desgrenhadas deviam servir apenas como código para comunicações inconfessáveis. Aquelas reuniões eram um perigo para a civilização, a religião, a moral e os bons costumes.

Certa tarde, durante o encontro do Clube dos Barbudos, a turba enfurecida cercou a casa de Beroaldo. Obstruíram as portas com pesados bancos de madeira e atearam fogo. Beroaldo e seus amigos tentaram fugir, em vão: morreram todos no incêndio. Restaram apenas as cinzas da casa, sepultando os medonhos segredos daquela conspiração.

Pantótila voltava a ser uma cidade pequena e pacata. Sua boa gente podia retomar sua vida tranquila e sem sobressaltos.

domingo, 10 de agosto de 2014

Caminho

O caminho é longo,
Difícil a estrada,
Há pedras, espinhos,
Perigosa jornada

Passo a passo,
Segue o viajante,
Cansado prossegue,
Esforço constante

Vai o andarilho,
Atrás a História,
Vai o andarilho,
À frente a vitória

Terra Prometida

Ali, logo ali,
Depois do mar,
Através do deserto,
Por cima dos montes,
Vejo a Terra Prometida

Vou com passos firmes,
Passos calmos, pacientes,
Suando sangue,
Sangrando lágrimas,

Vou com coragem, esperança,
Pois vejo a Terra Prometida

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Cinargal

Sultão Cinargal,
Guerreiro ardente,
Matava tigres,
Caçava gente

Sarian

Bela e suja,
Santa e vendida,
Morta e imortal,
Rica e mendiga,
Cidade maldita

Morte

Porta na parede,
Ponte no abismo,
Espelho da vida,
Noite de lua

Inverno

Lá fora
Dorme o frio
Em seu cobertor
De vento e noite

Crepúsculo

Nuvens laranja,
Céu azul,
Cai a noite

Calma

Com lenta rapidez
Escoa o tempo,
Cai a chuva,
Sopra o vento

O produto

Desenvolvemos o produto após longos meses de pesquisas de mercado, com público de variadas idades. Percebemos que existe uma demanda real pelo produto.

Ele é ao mesmo tempo útil, necessário, divertido, bonito, simples, luxuoso, viciante, sustentável, aparentemente revolucionário, mas profundamente conservador. E, principalmente, descartável. Todos vão querer consumi-lo. Até cansarem. Depois podemos oferecer outro similar, e então outro, sempre com investimentos e riscos progressivamente menores.

A estratégia de venda é simples: bombardeio midiático massivo, contínuo e constante. Quando o público espantar, não pensará mais em outra coisa. O produto habitará seus sonhos; estarão famintos por ele. Em pouco tempo será uma referência incontornável, ditando tendências e comportamentos. O consumidor médio mal saberá onde ele próprio termina e onde começa o produto.

Para as crianças, será uma babá, um ídolo, um herói e uma figura materna. Para os jovens, será um líder, um amigo e um modelo. Para as mulheres, será um filhote e um amante. Para os homens, um brinquedo, um objeto de desejo e um símbolo de virilidade.

Em suma, depois do produto, o mundo será completamente diferente, mas continuará exatamente o mesmo.

Epitáfios futuros

Jorge Abreu
Nasceu,
Cresceu,
Consumiu
E morreu

Prometeu da Silva
Bom filho,
Bom cidadão,
Preso político

Dilma Roussef
Primeiro vítima,
Depois algoz

Olímpio Serra
Pai exemplar
E cabo eleitoral.
Vote 6666!

Juvenil Juvenal
Trabalhava,
Trabalhava
E trabalhava.
Tão jovem...

Helena dos Santos
Sobreviveu até onde o salário mínimo permitiu.

Eduardo Paes
Não deixa saudades.

Eleutéria Joaquina
Quase viveu...

Eustáquio Silveira
Sem educação,
Sem emprego,
Sem eira,
Sem beira

Cláudia Costin
Economista dedicada
E demolidora educacional

Carla Faria
Prometia,
Não fazia

Cláudio Sobral
Empresário e imoral

Teresa de Jesus
Fosse mais curta a fila do SUS...

Antônio Pascoal
Analfabeto e intelectual

Manhã

Fria noite,
Escura madrugada.
Livre e audaz,
Canta o galo:
Com tímidos raios,
O povo amanheceu.
Reticente hesita
Rosada manhã.
Fraca luz,
Longas sombras,
Ainda.
Apenas ainda.
Cedo,
Logo,
Hoje,
Brilhando ousado,
O povo será meio-dia

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Infinito

Aos tiranos
Não dou mais um verso;
Ao povo, ah!
Pertence o universo...

Ser e estar

Eis a verdade,
Sabe quem quer:
O tirano está,
O povo é

Tiranetes

Estranho mofo,
Triste praga,
Brotam tiranetes
Onde falta democracia

Brotam em casa,
Igreja e jornal,
Brotam em escola,
Empresa e hospital
Brotam em partido,
Delegacia e sinal

Estranho mofo,
Triste praga,
Murcham tiranetes
Onde sobra ousadia

Bruxa

Num lugar sombrio, numa época sombria. Diante do povo bestializado, o juiz interrogava uma mulher.

-És bruxa?
-Tu o dizes.
-Envenenaste as águas?
-Tu o dizes.
-Queimaste os campos?
-Tu o dizes.
-Corrompeste a juventude?
-Tu o dizes.
-Queres perdão?
-Tu o dizes.
-Por provas contundentes e testemunhos inquestionáveis, condeno essa mulher a ser bruxa e a arder na fogueira.

Março

Traiçoeiro Júlio César
Atravessou o Rubicão;
No senado de Roma
Teve justa punição

terça-feira, 29 de julho de 2014

Perigo: professores

Era um tempo estranho, num país distante, com uma democracia de faz-de-conta. Tiranos e tiranetes ocupavam o poder, a serviço de empresários, com o apoio de empresários.

O povo, cansado, angustiado e desesperado se rebelou. Levantes estouravam aqui e ali, de norte a sul. Bárbaros-vândalos ameaçavam as muralhas da civilização bem-nascida e mal-eleita.

Era preciso encontrar um culpado, era necessário inventar líderes. Quem? A culpa era dos professores. De História. De Filosofia. Gente inquieta, gente perigosa. Uma lacaia ignorante e entusiasmada gritou: "Cuide do seu filho, antes que um professor de História ou Filosofia o adote". Outros lacaios, igualmente servis e dementes concordaram. Era melhor, para bem da democracia, que ninguém mais aprendesse História, nem Filosofia. E assim, os historiadores e filósofos foram perseguidos, presos e executados. Seus livros foram queimados em praça pública. Comemoraram com imenso Carnaval. Problema resolvido.

Mas o povinho, teimoso, continuava revoltado. Os tiranos não entendiam! O povo tinha tudo que poderia sonhar: futebol, sexo, novela, cartão de crédito, cerveja. Não era possível que estivessem descontentes. Havia líderes, havia culpados: professores, de novo. De Geografia, Artes Visuais, Física, Música, Inglês, Espanhol, Sociologia, Educação Física, Biologia, Química. Foram todos devidamente eliminados, como cães raivosos. O currículo escolar foi limitado ao essencial: Português e Matemática. As crianças e jovens tinham aulas apenas duas vezes por semana. As escolas se encheram de um silêncio escuro e mortiço.

Mas o povo não se aquietava. Até Português Matemática eram demais. Os jovens ainda eram mais ou menos capazes de interpretar textos: inadmissível! E então, os últimos professores morreram. As escolas agora funcionavam apenas com televisores, computadores e apostilas, de conteúdo pacificado e inofensivo, reforçado por exercícios monótonos e repetitivos. As salas de aula suspiravam com o alívio sombrio e o contentamento obtuso que apenas a Educação da pior qualidade garante.

Os tiranos finalmente dormiram aliviados.

terça-feira, 22 de julho de 2014

O rei cagado

Me perdoe o leitor
Um poema abusado
Que conta a história
De um rei todo cagado

Era rei muito tirano
E também muito malvado
Pisava em seu povo
Que sofria, coitado!

Era bem vaidoso,
Só andava arrumado,
Só vestia o melhor,
Sempre estava perfumado

E o povo sofredor,
Com cinto apertado,
Não comia quase nada,
Vivia esfaimado

Um dia, numa festa,
Ia o rei todo enfeitado,
Mas as tripas gemiam,
O intestino revoltado

Não sabia o que fazer
O monarca encabulado,
Se corria pro penico
Ou ficava todo borrado

O visconde ficou logo
Bastante preocupado
Porque o rei parecia
Que estava emburrado

E esse tal soberano
Não aceitava ser contrariado
Nem pelo intestino
Que brigava indignado

Estourou a revolta,
Contra o rei malvado
A barriga insurgente
O deixou lambuzado

E os nobres riam
Do rei todo cagado
E o povo apontava
Para o rei todo cagado

Ninguém sabe onde anda
Esse rei envergonhado,
Dizem todos por aí
Que está bem exilado

Sibi princeps

Mestre absoluto,
O tirano manda,
Senhor de tudo,
Menos de si

Tirano e tiranetes

Tirano reinava,
Acompanhado de tiranetes;
Quando tirano morreu,
Tiranetes fizeram festa

Corpo e alma

Os tiranos
Proíbem,
Agridem,
Machucam,
Atiram,
Massacram,
Prendem,
Torturam,
Mutilam,
Estupram,
Matam

Mas não se engane!
Eles só quebram corpos
Para curvar almas

Gorlimanz

"O preço da liberdade é a eterna vigilância"


Cavaleiro Gorlimanz
Saiu a cavalgar,
Para mundo afora
Monstros enfrentar

Ao Norte,
Hidra feroz
Ao Sul,
Tigre veloz

A Leste,
Dragão pavoroso,
A Oeste,
Tirano medroso

Cavaleiro Gorlimanz
Saiu a cavalgar,
Seu triste combate
Nunca irá terminar

Pão e poesia

O tirano
Rouba meu pão,
Mas não tira
Minha poesia

A hora do povo

Passou a hora
De ser classe,
De ser título,
De ser carreira,
De ser nome,
De ser discurso

Chegou a hora
De ser trovão,
De ser avalanche,
De ser maremoto,
De ser furacão,
De ser erupção

Chegou a hora
De ser povo

Prosa e poesia

O tirano
É prosa,
O povo
É poesia

A prisão e o poeta

A cela
Tranca o poeta,
Mas ninguém
Prende a poesia

A presidente e o poeta

Disse a presidente:
"Nada vejo"
Disse o poeta:
"Trago a cura"

O delegado e o poeta

Disse o delegado:
"Tenho provas"
Disse o poeta:
"Tenho versos"

O juiz e o poeta

Ficção por ficção,
Prefiro
O poeta e sua invenção
Ao juiz e sua imaginação

O impossível

Não me fale
Do impossível,
Não acredito
No impossível,
Não existe
O impossível,
Pra quem tem
Fé, força, coragem

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O tirano e o poeta

Disse o tirano ao poeta:
"Contra ti,
Tenho dinheiro, homens, covardia"
Disse o poeta ao tirano
"Contra ti,
Tenho sutil arma, a ironia"
E os tiranos fazem dor,
E a dor faz poesia

Herói e tirano

Dedicado ao amigo Roger Marques

Um herói,
Para derrubar tiranias,
Veio, viu e venceu
E assim,
Naqueles dias,
Novo tirano nasceu

O mundo

Papéis, títulos
Nomes, números
Listas, leis
Juízes, presidentes

Lá fora, o mundo

O fim

Acabou o circo,
Acabou o pão,
Acabou a liberdade,
Acabou a nação

Livre

Tenho um refúgio,
Reduto inviolável,
Fortaleza invencível,
Santuário a toda prova

Tiranos podem
Controlar governo,
Justiça, polícia
Dominar indústria,
Comércio, finanças
Mandar em jornais,
Rádios, televisão
Possuir soldados,
Navios, aviões
Disparar bombas,
Balas, mandados

Mas nunca terão,
Jamais tomarão

O refúgio de minha mente,
O reduto de minha vontade,
A fortaleza de meu coração,
O santuário de minha alma

Desprezo

Para ti,
Meu nojo seria luxo,
Meu cuspe seria bênção,
Esse poema já é demais

domingo, 20 de julho de 2014

Gotas d'água

Dedicado a David Mitchell

Sou a gota d'água,
Humilde gota d'água,
Insignificante gota d'água,
Apenas gota d'água

Sou a maré que confunde,
O vagalhão que arrebata,
A tempestade que inunda,
O rio que arrasta

Somos gotas d'água,
Humildes gotas d'água,
Insignificantes gotas d'água,
Apenas gotas d'água...

Execução

A Democracia brasileira
Subia ao cadafalso,
De carrasco, PMDB,
PT afiando o machado

Prisão carioca

A Razão está presa,
Divide cela com a Igualdade,
A Coragem seca lágrimas
Da enferma Liberdade

Na casa dos tolos

Manda quem é tolo,
Quem é mais tolo obedece,
Morre o sensato,
Enquanto o cretino enriquece

A festa dos idiotas

Nunca se acaba
A festa dos idiotas,
Nunca termina
A alegria dos tolos

Ruidosos, bêbados,
Risonhos, deslumbrados,
Satisfeitos, sonâmbulos,
Esquecidos, drogados

Riem de tudo,
Riem do que é bom,
Riem do que é mau,
Riem do que não entendem

A festa dos idiotas
Nunca se acaba,
A alegria dos tolos
Nunca termina

Democracia carioca

Na democracia carioca,
Tudo corre ao contrário:
Tirano fica solto,
Manifestante é presidiário

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Memórias

Memórias estranhas,
Memórias perdidas

Uma espada gaulesa,
Um pergaminho romano

Um cajado na grama,
Uma fogueira na pedra

Um escudo fendido,
Um martelo sangrento

Uma ilha distante,
Uma folha de papel

Um piano,
Uma floresta

Uma ponte em Paris,
Um fuzil na Indochina

Ilhas de lembrança
Num mar de esquecimento

O punhal sangrento

Poderá mentir,
Poderá negar,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

Poderá fugir,
Poderá correr,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

Poderá sorrir,
Poderá cantar,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

Poderá esconder,
Poderá morrer,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

O estraga-festa

Na imoral orgia,
Bacanal dos poderosos,
Vinho, ópio, podridão,
Sórdida alegria,
Violenta opressão,
Corriam soltos.
De repente,
Silêncio.
Música parada,
Vozes mudas.
Chegara o estraga-festas,
Faminto gigante,
O povo.

Mar de fogo

A chama arde,
A chama teima,
É no mar de fogo
Que o tirano se queima

O poeta

O poeta não tem limite,
Gênero ou fronteira,
Pensador vagabundo,
Sem beira e nem eira

sábado, 12 de julho de 2014

O sono dos justos

Dormem os justos,
Na cama da prisão;
Insones tiranos se agitam,
Nos lençóis da opressão

A pedra

Uma estrada,
Uma grande estrada,
Para o progresso,
Para as mercadorias,
Para o dinheiro,
Para benefício do povo,
Para glória da nação,
Para riqueza dos empreiteiros,
Para lugar nenhum

A Presidente queria,
O Congresso queria,
Os Governadores queriam,
Os Prefeitos queriam
Os Empresários queriam,
O povo não

Começou a obra:
Derrubaram árvores,
Afundaram montanhas,
Afogaram rios,
Despejaram homens

Mas, no caminho, havia uma pedra,
Havia a pedra no caminho

Pedra pequena,
Menos de um palmo;
Tentou erguer o operário:
Não conseguiu!
Vieram dois:
Novo fracasso!
Vieram três:
Nada!

Chamaram o engenheiro,
Veio a britadeira,
Um barulho ensurdecedor:
Nada!
Veio a escavadeira:
Nada!
Veio a dinamite:
Nada!
Veio o bate estacas:
Nada!
Veio o lacrimogênio:
Nada!
Veio o revólver:
Nada!
Veio o fuzil:
Nada!
Veio o tanque:
Nada!
Veio o caça:
Nada!
Veio o porta-aviões:
Nada!
Veio a bomba atômica:
Nada!

E não houve estrada

No caminho havia uma pedra,
Havia a pedra no caminho

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Paes chega ao submundo

Átila ria,
Herodes gargalhava
Bórgia irônico sorria
Nero cochilava

Imundo demais para o Céu,
Patético demais para o inferno;
Quem se importa
Com tiranos de Carnaval?

Costin e Bomeny

Duas lacaias,
Servis paespalhas,
Chafurdavam na lama.
Matou uma a Educação,
Roía a outra os restos sangrentos;
Tristes e serviçais,
De rabo abanando,
Lambiam as botas do tirano.
Pequenos poderes
São fortes coleiras...

Molosse

Je suis molosse,
Chien et colosse.
Je suis printemps, été,
Le chien mordant de liberte.
Mon coeur est doux,
Ma dente est dure.
Halte-là, tyran qui venez!
Quand je mords, vous criez!

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Profecias do lugar sombrio

Eu vejo, eu vejo!

Hoje sou eu. Amanhã serás tu. Depois de amanhã, sereis todos vós. E aí não adiantará mais reclamar.

Vejo horas sombrias à frente. Quando espantares, terão te proibido até de sonhar. E então dormiremos o amargo sono de uma noite vazia, como cadáveres no túmulo de nossa vã democracia.

Fala o que tiveres a dizer enquanto é tempo, pois eles estão chegando, com as mãos cheias de mordaças, coleiras e porretes.

Primeiro vão te processar. Depois, tomarão teu salário, roubarão o pão da tua mesa. E então, irão prender-te. Depois, matar-te-ão. E então, só restará à democracia chorar sobre teu túmulo vazio. Pois até teu cadáver será roubado.

E tua carne será fatiada, e vendida no açougue dos tiranos. E teu sangue será bebido no festim dos poderosos.

E os livros serão queimados, e sua fumaça encherá as praças públicas. E os mártires queimarão, nas fogueiras intolerantes.

E teus filhos serão cativos, nas masmorras. E seu intelecto será esmagado sob o tacão da ignorância. E sua vontade será escravizada pelas máquinas que fabricam torpes desejos.

E teus netos não terão repouso, e nascerão sem conhecer a liberdade.

E teus netos não terão ar para respirar, nem água para beber, nem estrelas para contemplar. Pois tudo será consumido pelos fabricantes de desejos.

E no mercado infame, todo homem terá seu preço, nenhuma mulher terá qualquer valor. E não haverá honra, dignidade, amor - apenas o poder dos tiranos.

E cada um gemerá nas trevas profundas, sem saber por que geme. Pois também a consciência lhes será roubada.

E os famintos gritarão: pão! E os sedentos gritarão: água! E os tiranos rirão!

E os tiranos rirão: porque são poderosos, porque são mesquinhos, porque são insanos, porque são tiranos. Porque são infelizes e vazios, porque antes de tudo são tolos. Porque riem como a besta que se devora.

E os tiranos rirão, porque caem, mas não percebem.

E o inverno será longo, longo, muito longo. Mas um dia virá a primavera.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

domingo, 6 de julho de 2014

O Guerreiro e o Tirano

Governava o Tirano,
Do alto da colina,
Em portentoso castelo,
Impávida fortaleza;
Gemia o povo,
Sob a sola de seus pés,
O casco de seus cavalos,
O retinir de suas armas;
Parasitas partilhavam de sua mesa

Uma voz se ergueu

O Guerreiro não aceitava mais.
Percorreu planícies, florestas, montanhas;
Do povo, um a um,
Tropa surgiu;
Pequena, frágil,
Ínfima como pulga,
Incômoda como pulga

No primeiro ano,
Atacaram o castelo;
Escadas e cordas contra muralhas,
Sangue e ferro
Contra pedra e covardia;
Muitos caíram,
Poucos escaparam

Mas não desistia o Guerreiro

No segundo ano,
Emboscaram o Tirano,
Que caçava nos pântanos do oeste;
Aos gritos, massacraram a comitiva;
Por pouco escapou o Tirano

Mas não desistia o Guerreiro

No terceiro ano,
Sitiaram o castelo;
Rumores percorreram a terra,
Esperança renascia,
O povo acreditava;
Gente, gente e mais gente
Vinha engrossar o cerco;
Vitória parecia iminente.
Mas chegou Inverno,
Traiçoeiro soldado.
Dentro e fora dos muros,
Ceifava a fome;
O povo debandou,
O cerco caiu.
Vencia o Tirano,
Mais uma vez

Mas não desistia o Guerreiro

No quarto ano,
Novo cerco;
A esperança sumira,
O povo temia,
O Inverno chegaria;
Esmagada a revolta,
Escaparam o Guerreiro e mais dez

Mas não desistia o Guerreiro

No quinto ano,
O Tirano perseguiu a esperança;
Seus mercenários caçavam
O Guerreiro e mais dez;
Fugiam, fugiam
Por planícies, florestas, montanhas

Mas não desistia o Guerreiro

No sexto ano,
Traiçoeira emboscada;
Sucumbiram, o Guerreiro e mais dez.
No castelo, Tirano e parasitas comemoravam:
"O Guerreiro morreu"!
Nada mais impedia o Tirano,
Ninguém mais o ameaçava;
Impostos esmagaram os homens,
Mendigaram os velhos,
Mulheres perderam sua honra,
Moças a virgindade,
Crianças eram escravizadas

No sétimo ano,
O Tirano caiu

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Cala

Cala, cala!
Não quero ouvir-te!
Basta!
Chega desse palanfrório,
Dessa verborragia oca,
Dessas razões irracionais,
Dessas desculpas cheias de saber,
Desse eterno pavonear,
Que não chegam a lugar nenhum!
Cala!

domingo, 29 de junho de 2014

Estrelas

Acima das sombras,
Acima da noite,
Acima do sangue,
Acima das brutalidades,
Acima dos crimes,
Acima das injustiças,
Acima das iniquidades
Acima de tudo,

Brilham,
Brilham sempre,
As estrelas do amanhã

domingo, 16 de março de 2014

Corvo

Preto no branco,
Corvo invernal
No campo nevado

Sem ninho,
Sem pátria,
Bico gelado,
Barriga vazia

Pobre corvo!

Prisão

Celas escuras,
Gritos, correntes,
Choros, dentes,
Bolor, água, podridão

Abismo profundo,
Onde luz não chega,
Ar não entra,
De onde homem não sai

Gurindan

Senhor das selvas,
Mestre dos rios,
Amado por uns,
Por muitos temido

Mandava Gurindan

Guerreiro cruel,
Flecha certeira,
Braço forte,
Clava pesada

Mandava Gurindan

Colecionador de crânios,
Comedor de gente,
Caçador fera,
De homem e jaguar

Mandava Gurindan

Dono de canoas,
Dono de tributos,
Dono de esposas,
Dono de escravos

Mandava Gurindan