sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Maravilhas ordinárias

Amo todas as harmonias cotidianas,
Singelas apoteoses,
Humildes contemplações

Bolhas no café
Gotas sobre o vidro
Reflexos inesperados
Sombras emaranhadas
Silhuetas recortadas
Sóis elétricos
Nervuras de folhas
Raízes sedentas
Troncos retorcidos
Passáros visíveis
Cantos invisíveis
Lépidos insetos
Roncos de motores
Freadas suaves
Chuva fina
Chuva grossa
Violinos no rádio
Livros reveladores
Pensamentos revelados
Bebês sorridentes
Crianças espertas
Cão adormecido
Esposa adormecida
Brisa em galhos
Capim dançante
Memórias esquecidas
Nuvens serenas
Estrelas silenciosas

Amo todas as harmonias cotidianas,
Singelas apoteoses,
Humildes contemplações

Tempo

Senhor cruel,
Juiz misterioso,
Amigo da morte,
Mestre da vida

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Deus

Acordei de madrugada
Senti a presença de Deus
Lá, ali,
Logo ali

Peguei meu lampião
Na noite escura e fria
Saí a buscar

Andava num pequeno círculo de luz
Além, a escuridão
Além, o silêncio
Onde sentia Deus

Ali, logo ali!
Corria, para vê-lo,
À luz bruxuleante
Mas quando pensava alcançá-lo...

Onde estava?

Meu coração se apertava
Arregalava os olhos
Tentava ver
Eu o sentia!

Onde estava?

Ah, se meu lampião fosse mais forte!
Ah, se meus pés fossem mais rápidos!
Ah, se minha visão fosse mais aguda!
Eu o sentia!

Onde estava?

O óleo acabava,
A chama agonizava,
Meus olhos se enchiam de lágrimas...
Eu o sentia...

Onde estava?

A luz extinta,
O lampião adormecido,
Me envolviam o frio,
A escuridão e
O silêncio

Foi ali que encontrei Deus

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Pactos Satânicos

E a Secretária de Educação disse:
"Te ofereço um décimo-quarto salário"!
E o Professor disse:
"Não"!

E o Prefeito disse:
"Corto seu ponto"!
E o Professor disse:
"Não"!

E os Vereadores disseram:
"Te damos um Plano de Cargos"!
E o Professor disse:
"Não"!

E o Juiz disse:
"Te ofereço conciliação"!
E o Professor disse:
"Não"!

E a Direção do Sindicato disse:
"É uma vitória"!
E o Professor disse:
"Não"!

E o Professor foi amarrado,
Amordaçado,
Pisoteado,
Cuspido,
Humilhado,
Esmagado

E o Professor disse:
"Não"!
"Não"!
"Não"!

Ele era dono de sua alma

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Democracia Carioca

Viva a Democracia Carioca!
Viva o Rei Momo!
Viva Paes, viva Cabral!
Viva Claudia Costin, meretriz de FHC!
Viva Rafael Parente, seu afilhado!
Viva Messina, o mascarado!
Vivam a Câmara dos monstros!
Viva o bacanal partidário!
Viva o bordel eleitoral!
Vivam todos os cafetões da Educação!

Vivam as bombas!
Vivam as cercas!
Vivam os porretes!
Vivam os gorilas fantasiados de policiais!
Viva o Choque!
Viva a pimenta!
Viva a mídia prostituída!
Viva a população alienada!

Abaixo os professores!
Abaixo os trabalhadores!
Abaixo a ralé que estuda na escola pública!
Abaixo o pensamento!
Abaixo a liberdade!
Abaixo os direitos!
Abaixo a rua!
Abaixo a praça!
Abaixo a Constituição!
Abaixo a dignidade!
Abaixo a moral!
Abaixo tudo que eleva!

Morte à Educação!
Morte à Educação!
Morte à Educação!

Viva a Democracia Carioca!

sábado, 27 de julho de 2013

Rótulos

Obrigado,
Mas não me dê seu rótulo;
Não preciso dele.
Nem do seu discurso.

Não invente um "nós"
Que é apenas você

Na minha boca
Não ponha palavras suas,
Pois falo só

Sob sua bandeira
Não me esconda,
Pois pinto minhas cores

Sei quem sou -
- E não sou você

Não invente SUA "consciência"
Para uma "classe" que também é MINHA

Não me chame herege,
Por livre pensar

Não leio faixas,
Contemplo estrelas!

sábado, 20 de julho de 2013

Alma

Escondida
Atrás do vidro
Atrás do ângulo
Atrás do reflexo

Moldura visível,
O quadro não

Protegida,
Eterna, etérea,
Imaculada, imaculável,
Imperecível...

O vôo da coruja

Anoitece!
Abre olhos a coruja,
Abre asas,
Abre garras,
Lança-se ao ar...

Na hora sombria,
Enxerga a coruja,
Quando cegos estão
Gavião, falcão,
Águia e condor...

Quando é grande o desespero,
Quando longa é a noite,
Voa a coruja,
Com olhos de sabedoria...

Nas trevas,
Onde se escondem sórdidas presas,
Mesquinhas, apequenadas,
Ladrões silenciosos,
Golpistas de toda marca,
Caça a coruja!

Amiga de Minerva,
Agarra os ímpios,
Esmaga-os em suas críticas,
Com seu bico destroça,
Arruína o manipulador!

Treme, maldito!
Ouve, da coruja, o grito!

Na noite longa,
No denso breu,
Vigia sempre a sábia coruja,
Pois traz em si a luz,
Pois conhece seu eu...

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Mestre dos Céus

Que inveja sinto do condor!

Voa altaneiro,
Suas asas abraçam o mundo...
Seu olhar não tem limites,
Sua perspectiva é a altura!
Nada lhe escapa,
Tudo domina!
Ai de mim,
Condenado a pedestres visões,
Olhares parciais,
Percepções horizontais!
Vejo um vale,
Uma montanha,
Um planalto...
Ele enxerga os Andes!

Que inveja sinto do condor!

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Dark Knight Rises

To the great Hans Zimmer

Deshi, deshi bashara!

From the deep womb of Earth,
Down the pit of Shadows,
Frightening Cave,
Awesome Ordeal

Clad in Darkness,
Mantle of a Bat,
The Dark Knight Rises!

Deshi, deshi bashara!

Vencido, mas invencível

Pela última vez,
Ergueu-se da vala sanguinolenta

Escudo quebrado,
Feridas abertas,
Ossos partidos,
Alma cansada

No último choque tombou:
Corpo dilacerado,
Honra inteira

Vencido, mas invencível!

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O sonho do dinheiro

Em esquecida rua da velha Atenas,
Sepultada em imunda sarjeta,
Caída de ébria mão,
A dracma prateava ao luar

Perdida, frágil, confusa,
A moeda começou a sonhar...

Sonho estranho,
Pesadelo quase,
Sobre séculos vindouros...

Sonhava futuro brilhante para seus sucessores,
Idolatrados como deuses pelos homens criados,
Fetiches encantados, em cofres sacrossantos...

Durante séculos sua raça dominava a terra,
Crescia e multiplicava-se,
Correndo em rios vorazes por todo o planeta

Por ela, homens viviam, morriam, matavam,
Por seu frio toque e estridente tilintar,
Atravessavam oceanos bravios,
Mergulhavam às entranhas da terra,
Vertiam suor, sangue, lágrimas,
Escravizavam seus irmãos,
Prostituíam corpos e mentes,
Se entregavam ajoelhados ao império do dinheiro!

Dinheiro, dinheiro!
No sonho, era senhor e mestre da vida,
Cobiçado elixir da felicidade,
Comprava luxos, mulheres, consciências, reputações,
Era medida de todas as coisas!
Toda existência se diluía na abstração de seus números!
Água, terra, ar, florestas, animais, tudo virava valor,
Comprado ou vendido sob o império da divina moeda!

Ele regia o mundo:
Sociedade, mercado, governo, igreja, escola,
Todos seguiam suas ordens, imperiosos desejos!

Os homens se iludiam, era o dinheiro que os fazia!
Sim, não existiam de verdade, eram apenas sonho que o dinheiro sonhava!
Mesmo seus sonhos eram sonhos que o dinheiro sonhava por eles!
Se reduziam a dóceis fantoches imaginados pela moeda...

"Zeus, Poseidon, Hades,
Hera, Afrodite, Palas,
Calai-vos!
Eu - apenas eu - sou poder, beleza e sabedoria!"

Assustada, despertou a dracma,
Apanhada do chão,
Guardada ao seio de uma meretriz que passava...