Dizem que o texto abaixo foi encontrado muitos séculos atrás numa
praia distante, dentro de uma garrafa. O manuscrito original foi perdido
há muito tempo, e tudo que resta é essa transcrição fiel copiada no
Livro de Maravilhas do Reino:
"Rezava a antiga lenda que numa ilha muito distante era possível sentir a
presença de Deus a todo momento. Era conhecida como Ilha Prometida.
Muitos sonhavam visitá-la, mas ninguém conhecia o caminho.
Eu ainda era criança quando ouvi essa lenda pela primeira vez, e me
senti imediatamente encantado por ela. Como desejava conhecer aquela
ilha! Conforme eu crescia, o desejo aumentava, e meu coração estava
repleto dele. Assim aconteceu com muitas pessoas de minha geração, que
sucumbiram ao encanto da lenda e sonhavam dia e noite com a busca da
Ilha Prometida.
Certo dia, não se sabe bem por que, o Rei decidiu organizar uma grande
expedição naval para encontrar a Ilha. Logo surgiram centenas de
voluntários, e o monarca ordenou a construção de cinco grandes navios,
capazes de enfrentar ondas violentas e tempestades furiosas. As árvores
mais fortes do Reino foram abatidas e os melhores carpinteiros foram
contratados. Velas e cordas muito resistentes foram adquiridas.Muitos
caixotes e barris de mantimentos foram encomendados. Durante um ano o
Reino inteiro se agitou.
Finalmente, os cinco navios estavam prontos e ancorados na Grande Baía.
Todos os peregrinos voluntários vieram até a Corte e houve uma grande e
solene festividade de despedida na Praça Maior, presidida pelo próprio
Rei. Nessa ocasião, muitos aventureiros fizeram o juramento solene de
não voltar ao lar enquanto não tivessem encontrado a Ilha Prometida.
Depois da cerimônia, todos os viajantes embarcaram sob a ovação popular.
Meu coração batia forte quando pus os pés sobre o convés do Pensamento.
Levantadas as âncoras, as velas foram sopradas por um vento impetuoso e
todos os passageiros entoavam cânticos de júbilo pela viagem que
começava. As nuvens sorriam alegremente para nós.
As primeiras semanas de viagem transcorreram em grande alegria, e todos
esperavam que logo chegaríamos à Ilha Prometida, onde viveríamos
continuamente na presença de Deus. Todavia, conforme se passavam os
meses, muitos viajantes se tornaram tristes e entediados, e sentiam
falta da terra firme. O Almirante reuniu seus capitães e decidiram que
um dos navios retornaria para casa, levando todos aqueles que desejassem
voltar. E assim, muitos iniciaram a viagem de volta, enquanto quatro
navios prosseguiam.
Mais alguns meses de navegação haviam transcorrido quando uma
violentíssima tempestade se abateu sobre a esquadra. A tormenta durou
vários dias e, finalmente, um dos navios naufragou. Alguns homens
morreram, mas conseguimos resgatar a maioria. E assim sobraram apenas
três navios. Muitos haviam ficado assustados com a tempestade, e
passaram a temer por suas vidas; não queriam continuar. E assim, o
Almirante ordenou o retorno de mais uma embarcação, onde puderam voltar
aqueles que assim o quisessem.
Sobraram apenas dois navios, e prosseguiram juntos por muitos meses
ainda, até que houve uma desesperadora calmaria. Durante várias semanas
os navios mal se moviam, e o ar parecia morto. Muitos peregrinos foram
tomados pelo desânimo. Assim que se iniciou um forte vento para Leste,
desejaram voltar para casa, e o Almirante determinou que uma embarcação
os levasse.
No fim, restou apenas um navio, com escassos tripulantes. Navegamos
ainda durante muitos e muitos meses, enfrentando calmarias e
tempestades. Finalmente, os mantimentos começaram a se esgotar, e o
Almirante ordenou um rígido racionamento. Os peregrinos aceitaram
bravamente essa privação, até que o Almirante julgou que não seria mais
prudente prosseguir a viagem, determinando o retorno. Todos estavam
tristes com essa decisão, principalmente o próprio Almirante.
Foi então que decidi que eu prosseguiria sozinho. Até o fim. Conversei
com o Almirante, e ele me disse que seria uma atitude imprudente. Me
alertou que se não encontrasse a Ilha Prometida seria impossível
retornar ao Reino; a morte seria certa. Insisti mesmo assim. Finalmente
ele cedeu, e um batel me foi cedido, com uma generosa porção de
mantimentos, num grande baú. Agradeci aos companheiros por essa última
gentileza e me fiz ao mar, enquanto eles acenavam tristemente. Uma
grande solidão me tomou quando o Pensamento finalmente desapareceu no horizonte, rumo ao Leste. Para mim, só restava o Desconhecido Oeste.
Um vento firme soprava sempre e sempre minhas velas, e durante muitas
horas por dia eu também remava, esperançoso. Só comia uma vez por dia, e
tão pouco que me sentia constantemente faminto. Fui ficando cada vez
mais fraco. Os remos se tornavam cada vez mais pesados em minhas mãos.
Apenas o desejo profundo de ver a Ilha Prometida me dava forças para
prosseguir. Só me restavam o sucesso ou a morte.
Certa noite, uma forte ventania arrebentou os cabos e levou a vela
voando para longe de mim. Ainda me atirei ao mar para tentar recuperá-la
a nado, mas não foi possível. Retornei molhado e triste ao batel,
enquanto o vento congelava meus ossos. A partir da manhã seguinte
encontrei novas forças para remar, e prosseguia bravamente, sob o Sol
escaldante do meio-dia e a brisa suave da noite.
A cada dia sobrava um pouco menos de meus mantimentos. O baú estava
quase vazio e me restavam umas poucas garrafas d'água. Comia apenas a
cada dois dias, porções cada vez menores; bebia uns poucos goles d'água
por dia. Finalmente, a comida acabou, e a água logo depois. Ainda assim,
prosseguia remando, no limite das minhas forças. Era tudo que me
restava.
Ao cabo de alguns dias, nada mais era possível. Mal conseguia permanecer
sentado. Passava a maior parte das horas deitado no fundo do barco,
dormindo ou contemplando as nuvens ensolaradas ou o céu estrelado. Perdi
toda noção do tempo.
Em certa noite enluarada e sem nuvens o mar estava muito agitado. O
batel subia e descia nas ondas enfurecidas. Eu me agarrava aos bancos
com todas minhas forças, mas uma violenta vaga atirou o barco ao vazio.
Na água sombria eu não sabia para qual lado estava o céu ou o fundo do
mar. Lutei custosamente para retornar à superfície, e olhei para todos
os lados. Quando não consegui avistar o batel em lugar nenhum, copiosas
lágrimas brotaram de meus olhos. Estava perdido.
Com as forças que me sobravam, cheio de aflição, tentava permanecer
flutuando no mar revolto. Em muitos momentos, coberto pelas ondas, achei
que chegara meu fim. Permaneci assim durante algumas horas, até que
avistei um pequeno ponto escuro entre as vagas. Tomado por uma vaga
esperança, comecei a nadar com muito esforço em sua direção. O movimento
do mar às vezes afastava de mim aquele pontinho, mas eu prosseguia
firme. Não podia perder minha esperança de uma esperança.
Quando finalmente alcancei aquele pontinho, descobri que era o baú vazio
de mantimentos, que flutuava. Me agarrei a ele fervorosamente,
derramando lágrimas de alegria e gratidão. Aquele baú vazio valia mais
que todos os tesouros do mundo. Mais tarde encontrei um pedaço de corda
que flutuava; passei-a por baixo de meus braços e amarrei ao baú.
Não sei quantos dias e noites passei amarrado àquele baú. Logo mergulhei
num sono profundo e sem sonhos, que não sei quanto tempo durou.
Acordei sentindo a areia em meu rosto. Estava estirado ao chão. A Lua
refletia estranhamente naqueles grãos de areia molhada. Parecia que eu
flutuava no céu. Com algum esforço, me desamarrei do baú e me pus de pé,
cambaleante. A sede me torturava. Uma sede que ia ao fundo da alma.
Abri o baú salvador e tirei uma das garrafas vazias. Saí em busca de
água, aos tropeções.
Não muito longe da praia encontrei a Fonte. A água era fresca e viva,
como nenhuma outra água desse mundo. Alguns goles foram suficientes para
matar minha sede e encher meu coração de alegria. Todos aqueles
sofrimentos valeram a pena.
Assim terminaram minhas peregrinações e começaram minhas venturas.
Seriam necessárias muitas outras cartas para descrever todas as
maravilhas dessa Ilha Prometida. De nada adiantariam todas essas cartas,
na verdade, pois essas maravilhas não se explicam com palavras. O único
modo de conhecê-las é enfrentando o mar perigoso e vindo até aqui. Essa
mensagem na garrafa é um convite, apenas um convite.
Vem.
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Um comentário:
“O homem nunca pode parar de sonhar. O sonho é o alimento da alma, como a comida é o alimento do corpo.”
– Paulo Coelho
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