Egoberto reinava sobre o povo de Vanitia. Era um rei muito sábio, conhecedor profundo de todos os saberes e fazeres do mundo: Retórica, Alquimia, Poesia, Filosofia, Astrologia, Teologia, nada, nada lhe escapava. Nenhuma biblioteca no mundo se igualava à de Egoberto, abrigando tomos e mais tomos cuidadosamente iluminados pelos mais caprichosos copistas. As paredes de seu palácio ostentavam afrescos pintados pelos mais preciosos artistas do mundo e estátuas cinzeladas pelos mais requisitados escultores se posicionavam harmoniosamente ao longo das salas e corredores. Seu gabinete de curiosidades guardava as mais raras peças que um colecionador poderia se gabar de possuir. Sua mapoteca tinha as mais completas e precisas cartas celestes, terrestres e marítimas, executadas pelos mais habilidosos cartógrafos.
Egoberto amava a sabedoria e as conversações sutis como mais ninguém no mundo. Poderia passar horas debatendo sobre os mais diversos tópicos sem se cansar minimamente. E que polemista era o rei Egoberto! Estava por nascer aquele que conseguiria alinhavar argumentos tão precisos e astutos quanto os seus, pois o rei sempre tinha a última palavra em todas as discussões. Ninguém era capaz de apreciar uma obra literária ou plástica com comentários tão refinados e eruditos quanto os seus. Egoberto amava a sabedoria e era um sábio.
Mas ele odiava todas as coisas medíocres, prosaicas e mundanas, e odiava ainda mais as pessoas medíocres, prosaicas e mundanas. Sentia verdadeira repugnância pela maioria dos habitantes de se reino, lavradores e artesãos ignorantes e iletrados, incapazes de proferir uma frase corretamente ou fazer qualquer observação minimamente sutil. Gente grosseira e mesquinha, sem qualquer valor! Era com asco que Egoberto via a maioria de seus súditos, escapando a sua companhia insuportável sempre que possível, tolerando-os apenas quando estritamente necessário.
Por isso mesmo buscava cercar-se sempre das companhias mais sofisticadas, os mais doutos de seu reino e de outros, entretendo longas horas de agradável e delicada conversação, satisfazendo-se todos em deleitosas frases e elevadas polêmicas. Mesmo os criados palacianos de Egoberto eram cuidadosamente selecionados entre os mais toleráveis membros da populaça, pois não aguentaria ter seu chá servido com linguagem vulgar.
Certo dia Egoberto, cansado e encolerizado da lida com seus ignaros súditos, tomou uma decisão revolucionária: transformaria Vanitia num reino onde existisse apenas a luz da sabedoria. Seu reinado seria recordado para todo o sempre como a mais áurea era do espírito humano. Para tanto, convidou os maiores eruditos de todo o mundo para formar em seu palácio um nobilíssimo colégio, onde entreter-se-iam por anos a fio com os mais inextricáveis problemas do conhecimento humano. Por outro lado, ordenou que todos os demais súditos de seu reino, a gente rude e oca que não suportava, fossem embora de seu reino, indo habitar as abandonadas terras vizinhas.
E assim se fez.
O palácio de Egoberto fez-se morada para os maiores gênios de todos os ramos do pensamento, que refestelavam-se em lautos banquetes e animados debates pelas noites adentro, em salões iluminados por milhares de velas, ou em sapientíssimos ágapes em frescas tardes primaveris, sob caramanchões cobertos de sebes floridas. Seria impossível descrever o elevadíssimo teor das conversações ali entretidas.
Mas certo dia, não muito distante, o mordomo do palácio veio com triste semblante comunicar ao rei uma desagradável notícia: haviam se acabado todos os víveres dos armazéns do palácio e não havia alimento sequer para a próxima refeição. A notícia foi comunicada aos convivas, que resolveram sofrer estoicamente, decididos a não deixar se apagar o precioso lume do intelecto que brilhava naquele palácio, continuando suas doutas reuniões.
Mas ao cabo de três dias ninguém sentia-se animado para os rutilantes diálogos.
Ao fim de uma semana muitos suicidaram-se em desespero.
Alguns, em aflição, rebaixaram-se a tomar do arado e outras rudes ferramentas para tentar prover seu necessário sustento, mas faltavam-lhes o conhecimento e a habilidade para tanto.
Egoberto deitou-se em febril depressão, e definhou chorando até morrer de fome, em poucos dias.
Em menos de um mês todos os membros da auspiciosa assembléia nada mais eram que putrefatos cadáveres exalando cheiros insuportáveis pelo belíssimo palácio.
Dizem as lendas que os camponeses rudes, medíocres, grosseiros, prosaicos e mundanos formaram um próspero no reino nas ermas terras onde se exilaram. Lá não brilhava a augusta luz da sabedoria, mas sobreviveram.
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