terça-feira, 29 de julho de 2014

Perigo: professores

Era um tempo estranho, num país distante, com uma democracia de faz-de-conta. Tiranos e tiranetes ocupavam o poder, a serviço de empresários, com o apoio de empresários.

O povo, cansado, angustiado e desesperado se rebelou. Levantes estouravam aqui e ali, de norte a sul. Bárbaros-vândalos ameaçavam as muralhas da civilização bem-nascida e mal-eleita.

Era preciso encontrar um culpado, era necessário inventar líderes. Quem? A culpa era dos professores. De História. De Filosofia. Gente inquieta, gente perigosa. Uma lacaia ignorante e entusiasmada gritou: "Cuide do seu filho, antes que um professor de História ou Filosofia o adote". Outros lacaios, igualmente servis e dementes concordaram. Era melhor, para bem da democracia, que ninguém mais aprendesse História, nem Filosofia. E assim, os historiadores e filósofos foram perseguidos, presos e executados. Seus livros foram queimados em praça pública. Comemoraram com imenso Carnaval. Problema resolvido.

Mas o povinho, teimoso, continuava revoltado. Os tiranos não entendiam! O povo tinha tudo que poderia sonhar: futebol, sexo, novela, cartão de crédito, cerveja. Não era possível que estivessem descontentes. Havia líderes, havia culpados: professores, de novo. De Geografia, Artes Visuais, Física, Música, Inglês, Espanhol, Sociologia, Educação Física, Biologia, Química. Foram todos devidamente eliminados, como cães raivosos. O currículo escolar foi limitado ao essencial: Português e Matemática. As crianças e jovens tinham aulas apenas duas vezes por semana. As escolas se encheram de um silêncio escuro e mortiço.

Mas o povo não se aquietava. Até Português Matemática eram demais. Os jovens ainda eram mais ou menos capazes de interpretar textos: inadmissível! E então, os últimos professores morreram. As escolas agora funcionavam apenas com televisores, computadores e apostilas, de conteúdo pacificado e inofensivo, reforçado por exercícios monótonos e repetitivos. As salas de aula suspiravam com o alívio sombrio e o contentamento obtuso que apenas a Educação da pior qualidade garante.

Os tiranos finalmente dormiram aliviados.

terça-feira, 22 de julho de 2014

O rei cagado

Me perdoe o leitor
Um poema abusado
Que conta a história
De um rei todo cagado

Era rei muito tirano
E também muito malvado
Pisava em seu povo
Que sofria, coitado!

Era bem vaidoso,
Só andava arrumado,
Só vestia o melhor,
Sempre estava perfumado

E o povo sofredor,
Com cinto apertado,
Não comia quase nada,
Vivia esfaimado

Um dia, numa festa,
Ia o rei todo enfeitado,
Mas as tripas gemiam,
O intestino revoltado

Não sabia o que fazer
O monarca encabulado,
Se corria pro penico
Ou ficava todo borrado

O visconde ficou logo
Bastante preocupado
Porque o rei parecia
Que estava emburrado

E esse tal soberano
Não aceitava ser contrariado
Nem pelo intestino
Que brigava indignado

Estourou a revolta,
Contra o rei malvado
A barriga insurgente
O deixou lambuzado

E os nobres riam
Do rei todo cagado
E o povo apontava
Para o rei todo cagado

Ninguém sabe onde anda
Esse rei envergonhado,
Dizem todos por aí
Que está bem exilado

Sibi princeps

Mestre absoluto,
O tirano manda,
Senhor de tudo,
Menos de si

Tirano e tiranetes

Tirano reinava,
Acompanhado de tiranetes;
Quando tirano morreu,
Tiranetes fizeram festa

Corpo e alma

Os tiranos
Proíbem,
Agridem,
Machucam,
Atiram,
Massacram,
Prendem,
Torturam,
Mutilam,
Estupram,
Matam

Mas não se engane!
Eles só quebram corpos
Para curvar almas

Gorlimanz

"O preço da liberdade é a eterna vigilância"


Cavaleiro Gorlimanz
Saiu a cavalgar,
Para mundo afora
Monstros enfrentar

Ao Norte,
Hidra feroz
Ao Sul,
Tigre veloz

A Leste,
Dragão pavoroso,
A Oeste,
Tirano medroso

Cavaleiro Gorlimanz
Saiu a cavalgar,
Seu triste combate
Nunca irá terminar

Pão e poesia

O tirano
Rouba meu pão,
Mas não tira
Minha poesia

A hora do povo

Passou a hora
De ser classe,
De ser título,
De ser carreira,
De ser nome,
De ser discurso

Chegou a hora
De ser trovão,
De ser avalanche,
De ser maremoto,
De ser furacão,
De ser erupção

Chegou a hora
De ser povo

Prosa e poesia

O tirano
É prosa,
O povo
É poesia

A prisão e o poeta

A cela
Tranca o poeta,
Mas ninguém
Prende a poesia

A presidente e o poeta

Disse a presidente:
"Nada vejo"
Disse o poeta:
"Trago a cura"

O delegado e o poeta

Disse o delegado:
"Tenho provas"
Disse o poeta:
"Tenho versos"

O juiz e o poeta

Ficção por ficção,
Prefiro
O poeta e sua invenção
Ao juiz e sua imaginação

O impossível

Não me fale
Do impossível,
Não acredito
No impossível,
Não existe
O impossível,
Pra quem tem
Fé, força, coragem

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O tirano e o poeta

Disse o tirano ao poeta:
"Contra ti,
Tenho dinheiro, homens, covardia"
Disse o poeta ao tirano
"Contra ti,
Tenho sutil arma, a ironia"
E os tiranos fazem dor,
E a dor faz poesia

Herói e tirano

Dedicado ao amigo Roger Marques

Um herói,
Para derrubar tiranias,
Veio, viu e venceu
E assim,
Naqueles dias,
Novo tirano nasceu

O mundo

Papéis, títulos
Nomes, números
Listas, leis
Juízes, presidentes

Lá fora, o mundo

O fim

Acabou o circo,
Acabou o pão,
Acabou a liberdade,
Acabou a nação

Livre

Tenho um refúgio,
Reduto inviolável,
Fortaleza invencível,
Santuário a toda prova

Tiranos podem
Controlar governo,
Justiça, polícia
Dominar indústria,
Comércio, finanças
Mandar em jornais,
Rádios, televisão
Possuir soldados,
Navios, aviões
Disparar bombas,
Balas, mandados

Mas nunca terão,
Jamais tomarão

O refúgio de minha mente,
O reduto de minha vontade,
A fortaleza de meu coração,
O santuário de minha alma

Desprezo

Para ti,
Meu nojo seria luxo,
Meu cuspe seria bênção,
Esse poema já é demais

domingo, 20 de julho de 2014

Gotas d'água

Dedicado a David Mitchell

Sou a gota d'água,
Humilde gota d'água,
Insignificante gota d'água,
Apenas gota d'água

Sou a maré que confunde,
O vagalhão que arrebata,
A tempestade que inunda,
O rio que arrasta

Somos gotas d'água,
Humildes gotas d'água,
Insignificantes gotas d'água,
Apenas gotas d'água...

Execução

A Democracia brasileira
Subia ao cadafalso,
De carrasco, PMDB,
PT afiando o machado

Prisão carioca

A Razão está presa,
Divide cela com a Igualdade,
A Coragem seca lágrimas
Da enferma Liberdade

Na casa dos tolos

Manda quem é tolo,
Quem é mais tolo obedece,
Morre o sensato,
Enquanto o cretino enriquece

A festa dos idiotas

Nunca se acaba
A festa dos idiotas,
Nunca termina
A alegria dos tolos

Ruidosos, bêbados,
Risonhos, deslumbrados,
Satisfeitos, sonâmbulos,
Esquecidos, drogados

Riem de tudo,
Riem do que é bom,
Riem do que é mau,
Riem do que não entendem

A festa dos idiotas
Nunca se acaba,
A alegria dos tolos
Nunca termina

Democracia carioca

Na democracia carioca,
Tudo corre ao contrário:
Tirano fica solto,
Manifestante é presidiário

quarta-feira, 16 de julho de 2014

Memórias

Memórias estranhas,
Memórias perdidas

Uma espada gaulesa,
Um pergaminho romano

Um cajado na grama,
Uma fogueira na pedra

Um escudo fendido,
Um martelo sangrento

Uma ilha distante,
Uma folha de papel

Um piano,
Uma floresta

Uma ponte em Paris,
Um fuzil na Indochina

Ilhas de lembrança
Num mar de esquecimento

O punhal sangrento

Poderá mentir,
Poderá negar,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

Poderá fugir,
Poderá correr,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

Poderá sorrir,
Poderá cantar,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

Poderá esconder,
Poderá morrer,
Mas não esquecerá.

O punhal sangrento,
O punhal sangrento...

O estraga-festa

Na imoral orgia,
Bacanal dos poderosos,
Vinho, ópio, podridão,
Sórdida alegria,
Violenta opressão,
Corriam soltos.
De repente,
Silêncio.
Música parada,
Vozes mudas.
Chegara o estraga-festas,
Faminto gigante,
O povo.

Mar de fogo

A chama arde,
A chama teima,
É no mar de fogo
Que o tirano se queima

O poeta

O poeta não tem limite,
Gênero ou fronteira,
Pensador vagabundo,
Sem beira e nem eira

sábado, 12 de julho de 2014

O sono dos justos

Dormem os justos,
Na cama da prisão;
Insones tiranos se agitam,
Nos lençóis da opressão

A pedra

Uma estrada,
Uma grande estrada,
Para o progresso,
Para as mercadorias,
Para o dinheiro,
Para benefício do povo,
Para glória da nação,
Para riqueza dos empreiteiros,
Para lugar nenhum

A Presidente queria,
O Congresso queria,
Os Governadores queriam,
Os Prefeitos queriam
Os Empresários queriam,
O povo não

Começou a obra:
Derrubaram árvores,
Afundaram montanhas,
Afogaram rios,
Despejaram homens

Mas, no caminho, havia uma pedra,
Havia a pedra no caminho

Pedra pequena,
Menos de um palmo;
Tentou erguer o operário:
Não conseguiu!
Vieram dois:
Novo fracasso!
Vieram três:
Nada!

Chamaram o engenheiro,
Veio a britadeira,
Um barulho ensurdecedor:
Nada!
Veio a escavadeira:
Nada!
Veio a dinamite:
Nada!
Veio o bate estacas:
Nada!
Veio o lacrimogênio:
Nada!
Veio o revólver:
Nada!
Veio o fuzil:
Nada!
Veio o tanque:
Nada!
Veio o caça:
Nada!
Veio o porta-aviões:
Nada!
Veio a bomba atômica:
Nada!

E não houve estrada

No caminho havia uma pedra,
Havia a pedra no caminho

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Paes chega ao submundo

Átila ria,
Herodes gargalhava
Bórgia irônico sorria
Nero cochilava

Imundo demais para o Céu,
Patético demais para o inferno;
Quem se importa
Com tiranos de Carnaval?

Costin e Bomeny

Duas lacaias,
Servis paespalhas,
Chafurdavam na lama.
Matou uma a Educação,
Roía a outra os restos sangrentos;
Tristes e serviçais,
De rabo abanando,
Lambiam as botas do tirano.
Pequenos poderes
São fortes coleiras...

Molosse

Je suis molosse,
Chien et colosse.
Je suis printemps, été,
Le chien mordant de liberte.
Mon coeur est doux,
Ma dente est dure.
Halte-là, tyran qui venez!
Quand je mords, vous criez!

quinta-feira, 10 de julho de 2014

Profecias do lugar sombrio

Eu vejo, eu vejo!

Hoje sou eu. Amanhã serás tu. Depois de amanhã, sereis todos vós. E aí não adiantará mais reclamar.

Vejo horas sombrias à frente. Quando espantares, terão te proibido até de sonhar. E então dormiremos o amargo sono de uma noite vazia, como cadáveres no túmulo de nossa vã democracia.

Fala o que tiveres a dizer enquanto é tempo, pois eles estão chegando, com as mãos cheias de mordaças, coleiras e porretes.

Primeiro vão te processar. Depois, tomarão teu salário, roubarão o pão da tua mesa. E então, irão prender-te. Depois, matar-te-ão. E então, só restará à democracia chorar sobre teu túmulo vazio. Pois até teu cadáver será roubado.

E tua carne será fatiada, e vendida no açougue dos tiranos. E teu sangue será bebido no festim dos poderosos.

E os livros serão queimados, e sua fumaça encherá as praças públicas. E os mártires queimarão, nas fogueiras intolerantes.

E teus filhos serão cativos, nas masmorras. E seu intelecto será esmagado sob o tacão da ignorância. E sua vontade será escravizada pelas máquinas que fabricam torpes desejos.

E teus netos não terão repouso, e nascerão sem conhecer a liberdade.

E teus netos não terão ar para respirar, nem água para beber, nem estrelas para contemplar. Pois tudo será consumido pelos fabricantes de desejos.

E no mercado infame, todo homem terá seu preço, nenhuma mulher terá qualquer valor. E não haverá honra, dignidade, amor - apenas o poder dos tiranos.

E cada um gemerá nas trevas profundas, sem saber por que geme. Pois também a consciência lhes será roubada.

E os famintos gritarão: pão! E os sedentos gritarão: água! E os tiranos rirão!

E os tiranos rirão: porque são poderosos, porque são mesquinhos, porque são insanos, porque são tiranos. Porque são infelizes e vazios, porque antes de tudo são tolos. Porque riem como a besta que se devora.

E os tiranos rirão, porque caem, mas não percebem.

E o inverno será longo, longo, muito longo. Mas um dia virá a primavera.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

domingo, 6 de julho de 2014

O Guerreiro e o Tirano

Governava o Tirano,
Do alto da colina,
Em portentoso castelo,
Impávida fortaleza;
Gemia o povo,
Sob a sola de seus pés,
O casco de seus cavalos,
O retinir de suas armas;
Parasitas partilhavam de sua mesa

Uma voz se ergueu

O Guerreiro não aceitava mais.
Percorreu planícies, florestas, montanhas;
Do povo, um a um,
Tropa surgiu;
Pequena, frágil,
Ínfima como pulga,
Incômoda como pulga

No primeiro ano,
Atacaram o castelo;
Escadas e cordas contra muralhas,
Sangue e ferro
Contra pedra e covardia;
Muitos caíram,
Poucos escaparam

Mas não desistia o Guerreiro

No segundo ano,
Emboscaram o Tirano,
Que caçava nos pântanos do oeste;
Aos gritos, massacraram a comitiva;
Por pouco escapou o Tirano

Mas não desistia o Guerreiro

No terceiro ano,
Sitiaram o castelo;
Rumores percorreram a terra,
Esperança renascia,
O povo acreditava;
Gente, gente e mais gente
Vinha engrossar o cerco;
Vitória parecia iminente.
Mas chegou Inverno,
Traiçoeiro soldado.
Dentro e fora dos muros,
Ceifava a fome;
O povo debandou,
O cerco caiu.
Vencia o Tirano,
Mais uma vez

Mas não desistia o Guerreiro

No quarto ano,
Novo cerco;
A esperança sumira,
O povo temia,
O Inverno chegaria;
Esmagada a revolta,
Escaparam o Guerreiro e mais dez

Mas não desistia o Guerreiro

No quinto ano,
O Tirano perseguiu a esperança;
Seus mercenários caçavam
O Guerreiro e mais dez;
Fugiam, fugiam
Por planícies, florestas, montanhas

Mas não desistia o Guerreiro

No sexto ano,
Traiçoeira emboscada;
Sucumbiram, o Guerreiro e mais dez.
No castelo, Tirano e parasitas comemoravam:
"O Guerreiro morreu"!
Nada mais impedia o Tirano,
Ninguém mais o ameaçava;
Impostos esmagaram os homens,
Mendigaram os velhos,
Mulheres perderam sua honra,
Moças a virgindade,
Crianças eram escravizadas

No sétimo ano,
O Tirano caiu

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Cala

Cala, cala!
Não quero ouvir-te!
Basta!
Chega desse palanfrório,
Dessa verborragia oca,
Dessas razões irracionais,
Dessas desculpas cheias de saber,
Desse eterno pavonear,
Que não chegam a lugar nenhum!
Cala!